• Esperamos mais das tecnologias do que das pessoas?

    Nós esperamos mais das tecnologias do que da pessoa que está ao nosso lado, provoca Sherry Turkle, pesquisadora há 30 anos do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).

    Segundo Turkle, estamos cada vez mais decepcionados com as pessoas que estão próximas de nós (seja no trabalho ou em casa). E esperamos que as tecnologias façam mais por nós do que elas (enquanto que o correto deveria ser o contrário).

    Alone Together (384 páginas/Editora Basic Books) coloca Turkle de volta ao centro das discussões sobre tecnologias de comunicação e cultura digital. Recém-lançado, o livro é resultado de 15 anos de pesquisas sobre comportamento e web.

    Desconhecida das gerações mais recentes, a pesquisadora ficou conhecida nos anos 80, com o livro The Second Self: Computers and the Human Spirit, de 1985, um dos primeiros a analisar o efeito dos computadores no comportamento humano.

    Life On the Screen veio 10 anos depois, em 1995. É considerado um dos livros mais otimistas sobre a questão das múltiplas identidades na web.

    Dezesseis anos depois, o otimismo dá lugar a uma postura mais questionadora. Em Alone Together, Turkle adota uma postura mais crítica em relação às atuais tecnologias de comunicação. Posicionamento esse cada vez mais comum entre pesquisadores e analistas (a hora em que a internet está mais presente no dia a dia, é normal que, em contrapartida, as pessoas questionem com maior intensidade os efeitos na sociedade, sejam eles positivos ou negativos).

    Longe da frase de efeito que abre esse post, o mais interessante de Alone Together está nas observações que Turkle tirou de 15 anos da pesquisa sobre comportamento humano e web. Em seus estudos, a pesquisadora dissecou 3 gerações e como a web as afetou.

    Uma das principais conclusões tiradas pela autora – o que mais fascina as pessoas com a comunicação via web é a possibilidade de maior controle sobre as conversas, e não a velocidade.

    Com as plataformas de redes sociais, podemos encerrar um relacionamento na hora que quisermos, basta dar um “block”. No email, podemos responder ou descontinuar uma conversa quando for mais conveniente. No SMS, temos tempo de pensar em uma resposta.

    Enfim, a web nos deu um controle maior sobre a conversação. Detalhe que explica porque adolescentes não gostam de receber ligações de telefone por voz. Na ligação telefônica, tudo acontece em tempo real, você não tem tempo de pensar em respostas ou graduar a emoção.

    Para exemplificar, em entrevista à Turkle, um adolescente de 16 anos confessou que receber ligações telefônicas é muito incômodo, requer uma “espontaniedade além dos limites”. Você não tem tempo de pensar nas respostas. O melhor da comunicação via SMS, email ou mensagens em redes sociais está no fato de que ela acontece de acordo com o seu ritmo, você tem mais domínio sobre a conversa e muito mais sobre o que você diz.

    Por isso, Turkle conclui que, na realidade, o que a web nos fornece é proteção. Nós gostamos de conversar, mas desde que seja no nosso tempo e a conversa sob o nosso controle. O que, cá entre nós, é uma ironia.

    Hoje em dia, fala-se tanto em “comunicação em tempo real”, mas o que as pessoas gostam mesmo é de comunicação no seu ritmo – poder escolher quando responder, evitar o inesperado ou assuntos e pessoas que não vão ao encontro do que gostamos.

    Por esses motivos, a comunicação via web é tão agradável.

    Segundo a pesquisadora, esse cenário é desafiador, pois, na prática, o modelo usual de relacionamento/comunicação é mais complexo, envolve risco e negociação. Você não pode dar um “block” em seus pais ou no seu marido ou esposa de uma hora para outra.

    A privacidade online é motivo de preocupação entre várias gerações. Mas, conforme nos mostra Turkle, essa preocupação se divide entre a ingenuidade e o ceticismo.

    Os mais jovens acreditam que o Facebook, por exemplo, nunca utilizará os seus dados de forma abusiva pelo simples motivo de que que a plataforma de rede social foi criada e é gerenciada por pessoas também jovens – “gente como a gente” (há um senso de identidade entre os usuários e os criadores do Facebook. Isso ajuda na aceitação da rede social).

    Outros beiram o ceticismo. Acreditam que as empresas abusam, mas não há muito o que fazer. É como dar murro em ponta de faca. Um caminho sem volta.

    Neste ponto, o livro deixa evidente que na web as pessoas antes de tudo estão atrás de facilidade. Pouco importa se o Facebook tem pouco controle sobre a forma como os nossos dados pessoais são usados por terceiros. Enquanto o Facebook fornecer facilidade, essas questões ficam em segundo plano.

    Alone Together se divide em duas partes. Parece dois livros diferentes em um. A primeira trata sobre robôs. A segunda, web e pessoas.

    O interessante da primeira parte está quando Turkle mostra que antes os robôs substituíram o trabalho braçal nas fábricas, hoje eles substituem o “trabalho afetivo”.

    Em países, como Japão, robôs têm se tornando um paliativo ao vazio emocional de idosos que passam a maior parte do tempo sozinhos. Não é à toa que o assunto do momento da indústria não é produzir robôs com movimentos, mas com emoções fiéis às do ser humano. É cada vez mais comum a venda de robôs que cuidam de idosos. Robôs estão virando fontes do que gostaríamos de receber dos “humanos”.

    Na pesquisa de Turkle, um dos pontos mais relevantes está em desmitificar os chamados “nativos digitais”, que geralmente são retratados como quase super-heróis – inteligentes, conectados, empreendedores, mulitarefa, bem relacionados.

    A pesquisadora mostra que, semelhante a outras gerações, eles têm medos e angústias. Os adolescentes pesquisados por Turkle demonstraram uma ansiedade muito grande em relação à reputação online, em como eles são vistos pelas outras pessoas (eles têm noção de que tudo o que fazem é registrado e, no futuro, poderá ser usado a favor ou contra eles).

    Mais ou menos como hoje em dia há as empresas (o que eles estão falando da gente? Se eles falarem mal, será o fim? ), existem as pessoas ansiosas com a chamada social media

    Colocar uma foto produzida no perfil é o de menos. Essa ansiedade se reflete em ficar horas na frente do computador, fazendo buscas em redes sociais e mecanismo de buscas para saber o que as pessoas estão falando dela. Ou ainda, e minuciosamente, escolher os itens que descrevem a sua personalidade em um perfil numa rede social.

    O ponto mais crítico acontece quando usuários montam falsos perfis em redes sociais para saber o que as pessoas estão falando deles. Uma das práticas mais conhecidas é se passar por amigo de um amigo.

    Turkle conclui que toda essa preocupação com a imagem faz com que o Facebook, por exemplo, seja, na realidade, uma “versão editada da nossa vida”. Nos apresentamos como gostaríamos que fôssemos e não como realmente somos.

    Montar um perfil no Facebook é mais uma performance do que qualquer outra coisa.

    Nesse ponto a crítica de Turkle remete a de Jaron Lanier, que, no livro “Você não é um aplicativo”, dispara que, além de reduzir a nossa noção de amizade, as plataformas de redes sociais padronizam a sua nossa presença online (o perfil de todo mundo segue o mesmo padrão visual).

    Nestes 15 anos, a web não transformou somente as pessoas. A pesquisadora percebeu que duas palavras simples, e que dizem muito sobre a gente, foram banalizadas – comunidade e amizade.

    Usamos a primeira para descrever qualquer grupo de pessoas que dividem um interesse comum, mesmo que neste grupo não exista qualquer senso de responsabilidade ou ajuda mútua.

    A segunda é usada para descrever qualquer relacionamento na rede. Ou seja, aquela velha questão semântica de que, na verdade, temos “contatos” e não “amigos” nas plataformas de redes sociais.

    No final das contas, acabamos confundindo amizade com conectividade. Não é por que estamos conectadas a 100 pessoas que essas 100 são amigas (o título do livro vem justamente de uma provocação neste sentido – “sozinhos e juntos ao mesmo tempo”. Às vezes, estar contectado ao Twitter ou a uma plataforma de rede social é como andar na avenida principal de uma metrópole. Ao mesmo tempo, estamos sozinhos e cercado de pessoas).

    Ainda durante a sua pesquisa, Turkle (foto acima) detecou uma espécie de conflito entre gerações. Os mesmos adolescentes, com idades entre 14 e 16 anos, que passam horas enviando SMS, reclamam que os seus pais ficam o dia inteiro no celular, respondendo a emails e mensagens no Facebook e Twitter.

    Frente à pesquisadora, muitos adolescentes confessaram que gostariam que os seus pais passassem menos tempo pendurados na web e mais com eles. Um deles chegou a afirmar que, quando for pai, não fará o mesmo com os filhos.

    Reflexo de que talvez estejamos vendo uma adaptação cultural. Enquanto uma geração  ainda se lambuza com as novas tecnologias e facilidades proporcionadas pela comunicação em rede, a outra começa a questionar tudo isso (por que meu pai fica mais tempo na web do que comigo?), a enxergar os prós e contras, a aprender com os erros dos pais.

    E é aí está uma questão que Turkle levanta sem querer. Muitas vezes, faz mais sentido questionar as pessoas do que as tecnologias. Será que uma pessoa que prefere ficar no celular do que com os filhos está preparada para ser pai?  E, no caso dos robôs e idosos no Japão, a questão não é por que não temos capacidade de produzir mais robôs para ficar com idosos, mas sim por que não existem mais pessoas dispostas a cuidar de uma pessoa idosa?

    Outro detalhe que Alone Together nos lembra é que as expectativas que depositamos nas tecnologias dizem muito sobre nós. É, mais ou menos, como aqueles vídeos de futurologia que, volta e meia, eu publico aqui, no blog. Eles nos dizem mais como gostaríamos que fosse o presente do que realmente será o futuro.

    Da mesma forma, as expectativas que depositamos nas publicações pessoais (blogs e microblogs), nos movimentos de dados abertos, nos gadgets dizem mais sobre como gostaríamos que fosse o presente do que sobre o que realmente ele é.

    Apesar de seus questionamentos, Turkle não soa como ludista. Na realidade, a autora tem simpatia pelo que ela chama de “realtechnik”, linha de pensamento que é cética em relação ao progresso linear. Baseia-se na ideia de que devemos constantemente reconsiderar o que é triunfalista ou apocalíptico em relação ao modo como vivemos com as tecnologias.

    E o que Turkle faz no seu livro é isso – questionar o que aconteceu nestes últimos 15 anos na relação entre pessoas e tecnologias de comunicação. Aliás, uma das mensagens que a pesquisadora tira de seus estudos neste período é a seguinte (parafraseando Shakespeare) -  ao mesmo tempo que nos “alimentam”, as tecnologias nos “consomem”, nos tiram algo. É uma via de duas mãos.

    Veja também: Era uma vez um blog…

    Crédito da foto: Maebmij, OOnaghs, Mauriz, JeanBaptiste

    Publicado por Tiago Dória, em 15 de março de 2011 (Terça-feira).
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